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Xica Margarida

07.02.19

Descer ao fundo de uma mina

Xica Margarida

Como alguns de vocês sabem eu já fui jornalista e, durante, esse tempo vivi e passei por histórias fabulosas. Passarei, a partir de hoje, também a contar aqui algumas dessas aventuras (já sei que isso não interessa a ninguém mas pode ser que as cinco pessoas que me leêm gostem).

Começo este caminho a contar a minha experiência com o trabalho de fim de curso. Na universidade onde estudei tínhamos que fazer uma reportagem e uma entrevista como trabalhos finais de curso. Para a reportagem eu e a minha colega escolhemos visitar as minas da região. Minas de exploração de volfrâmio. A ideia de descer a uma mina assustava-me e nem sabíamos se iríamos conseguir a autorização para isso. Mas depois de feitos os contactos fomos autorizadas e já não havia forma de voltar atrás. Curioso que, depois de tantos anos, já nem me lembrava do que escrevi. Só me lembrava do título da reportagem. 

Claro que a ler aquilo hoje só me apetece esbofetear-me e reescrever tudo outra vez. Penso: como é possível teres escrito aquilo assim. Mas não é disso que quero falar. A escrita, como tudo, evolui. E, por agora, a única forma que tenho de escrever é por aqui. Portanto, a ideia é falar na experiência. 

E, convenhamos, não é todos os dias que se desce a uma mina. Tudo começa logo pelo equipamento. Fomos obrigadas a descer tal e qual como um mineiro. Vestimos o fato macaco cor de laranja, pusemos o capacete e as botas de borracha e entramos para o carro que nos levaria ao fundo da mina. Recordo agora que estaria a dar a música dos Queen "We are the champions" enquanto descíamos. Curioso.

Descer até à parte habitável da mina foi muito estranho. Ao longo da descida fomos sentindo o ar mais pesado, a escuridão a instalar-se e o sentido de perder o dia era imenso. Lá em baixo não se sabe se chove ou faz sol ou sequer se está frio. Porque lá em baixo está sempre húmido, abafado e escuro. 

Ligámos as luzes que tínhamos nos capacetes e começamos a visitar os espaços possíveis. Alguns era impossível ver por causa da instabilidade dos trabalhos. Sim, não queríamos atrapalhar as pessoas nem ficar lá debaixo de uma pedra qualquer. Os nossos guias, os funcionários das minas, eram uns doces. Curiosamente muitos deles chamavam-se Zé. Foi fácil decorar os nomes. Todos contaram as suas histórias e mostraram os recantos onde comiam, trabalhavam e o que faziam quando descansavam (pouco tempo, claro, que quem vai lá para baixo não é para passar o tempo).

Recordo principalmente o ar abafado. O sentir que estava a respirar sempre a mesma coisa. Eles mostraram o tubo que trazia ar da superfície para tornar o espaço habitável, mas mesmo assim o ar era denso e pesado. Sim, já me esquecia que estava dentro de uma mina. Claro que os promenores já não me lembro. Mas, sem dúvida, o que fica na memória são os sentimentos e as emoções. Lembro-me também que em muitos locais os mineiros tinham que andar curvados porque o tamanho dos túneis não permitia terem uma postura normal e lembro-me de pensar: como é que conseguem?

O subir de novo à superfície é exatamente como os mineiros contam. Difícil para os olhos. Especialmente em dias de muito sol. Habituámo-nos a ver na escuridão. Mas o ar que respiramos quando chegamos cá acima é libertador. 

Este é o primeiro relato de uma vida de jornalista no burgo. Comecei na imprensa regional e lá terminei. Sempre foi essa a minha paixão. Nunca quis cá grandes orgãos de comunicação, nem televisões ou rádios. Quis proximidade. Nesta reportagem consegui-a. Anos mais tarde voltei àquela região, mas para fazer uma reportagem sobre o Centro que ajudava os filhos dos mineiros. Uma das reportagens que mais me tocou. Mas sobre isso falo noutro post. Até lá vejam aqui a imagem da minha primeira grande reportagem no jornal da universidade.

minas da panasqueira.png

 

 

Euzinha

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